A ministra Cármen Lúcia mudou hoje seu voto de 2018 e virou o placar contra o ex-juiz federal Sergio Moro no processo de suspeição pelo julgamento em que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) envolvendo um tríplex em Guarujá. Com isso, a maioria da Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) firmou-se, por três votos a dois, pela parcialidade de Moro.
A retomada do julgamento nesta terça iniciou-se a favor do ex-ministro da Justiça. Após pedir vistas do processo no último dia 9, o ministro Kassio Nunes Marques decidiu pela imparcialidade de Moro. No entanto, Cármen Lúcia, que havia votado contra a suspeição em 2018, voltou atrás.
Dessa forma, dos cinco membros da Segunda Turma, votaram pela suspeição de Moro Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, e contra o relator Edson Fachin e Nunes Marques.
Procurado pelo UOL, o MPF-PR (Ministério Público Federal do Paraná), responsável pelo processo, disse que não irá se pronunciar.
Cármen e Fachin tinham dado seus votos em novembro de 2018, no início do julgamento, antes da revelação dos diálogos da Vaza Jato, que expuseram conversas entre Moro e membros da Operação Lava Jato.
Eu trago as referências a constituição, sobre a necessidade de observância, desse julgamento imparcial, portanto tenho, como humano somos passíveis de erros, mas a parcialidade comprovada precisa de ser devidamente afastada, isso desde sempre. É isso que faz com que as pessoas se submetam ao direito e não resolva atos de vingança, que seria barbárie.
Cármen Lúcia, ministra do STF
Entre os argumentos para considerar a parcialidade do ex-juiz a ministra citou: as conduções coercitivas, repetindo a argumentação de Gilmar sobre espetacularização; as interceptações telefônicas e as quebras de sigilo do ex-ministro petista Antônio Pallocci.
Cármen ressaltou que cabe habeas corpus para discutir suspeição, fala que contrapõe o voto de Nunes, e que não se baseou nas mensagens divulgadas no caso Vaza Jato — portanto, não se manifestaria sobre a legalidade daquelas provas.
A ministra fez ainda referência ao seu voto anterior. Cármen disse que naquele momento não se mostravam suficientes os fatos, mas ressaltou que outros dados “foram anexados aos fatos e os indícios adquiriram uma combinação que conduziram o paciente na forma de investigação e processamento”, o que, na sua compreensão, “pode significar a quebra de parcialidade do juiz”.
O voto de Nunes
Para embasar seu voto por Moro, Nunes leu uma série de decisões do Supremo entendendo que a suspeição não poderia ser analisada em habes corpus. Ele argumentou ainda que todos os fatos apresentados já foram objeto de análise nas instâncias anteriores e considerou-os “inadmissíveis”.
A constituição garante a todos os brasileiros — e aí se inclui o ex-presidente da Republica, Luiz Inácio Lula da Silva, e também o ex-juiz Sergio Moro –, indistintamente, que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos. A prova trazida aos autos é ilícita, ilegítima e imprestável. Portanto, impossível de ser aproveitada em sede de habeas corpus.
Kassio Nunes Marques, ministro do STF
O ministro argumentou, ainda, que “suspeições devem ser vistos com grande reserva, avaliando se a causa não foi criada pela parte” e citou que seria preciso apresentação de provas capazes de atestá-la.
Caminho da suspeição
Antes, o julgamento estava empatado em 2 a 2 desde 9 de março, quando Nunes Marques pediu vista. No início do mês, votaram Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, ambos contra Moro (ou seja, a favor de declarar a suspeição do ex-juiz).
Já Edson Fachin, relator do processo, e Cármen Lúcia haviam votado em 2018 a favor de Moro (contra a suspeição), antes da revelação dos diálogos da Vaza Jato, que expuseram conversas entre Moro e membros da Operação Lava Jato. Com o episódio, GiImar pediu vistas e o processo ficou parado.
A Segunda Turma do STF decidiu retomar em 9 de março o julgamento de suspeição de Moro, impondo uma derrota a Fachin que pedia o adiamento. O ministro tentava tirar o processo de análise e chegou a pedir ao presidente do Supremo, Luiz Fux, uma decisão para adiar o julgamento, mas não foi atendido.
À época do pedido de suspeição, de 2018, a Turma ainda contava com Celso de Mello, que se aposentou ano passado. Ele foi substituído por Nunes Marques, indicado por Jair Bolsonaro (sem partido).
O recurso foi apresentado em novembro de 2018, dias depois de o então juiz ter abandonado a magistratura para assumir um cargo na política, como ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
Para a defesa de Lula, isso provaria uma motivação política de Moro para julgar Lula, tese que o ex-juiz sempre negou. O petista ficou de fora da eleição presidencial de 2018, vencida por Bolsonaro, em razão da sentença no caso do tríplex —a qual, após ter sido confirmada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), foi uma das anuladas por Fachin.
Anulações
Em 8 de março, Fachin anulou todas as condenações do ex-presidente Lula e remeteu esses processos da Lava Jato à Justiça Federal do Distrito Federal.
A PGR (Procuradoria Geral da República) é contra a decisão de Fachin. O ministro decidiu enviar a análise do recurso pelo plenário do STF, não pela Segunda Turma.
A defesa de Lula protestou e, ontem, o ministro Ricardo Lewandowski encaminhou o tema para o ministro Gilmar Mendes, presidente da Segunda Turma. A decisão sobre se o recurso será analisado pelo plenário ou pela Segunda Turma também está na pauta desta terça.