Cruzeiro do Sul, Acre, 24 de dezembro de 2024 20:17

Entrevista: Psicóloga Cintia Sampaio, do Creas: “Precisamos cuidar das nossas crianças contra abusos e violência”

creacintia (2)900

18 de maio é o Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e foi instituído em 1988, incentivado por um crime ocorrido no dia 18 de maio de 1973, quando uma menina de oito anos foi sequestrada, drogada, espancada, violentada e morta.

Neste maio de 2021 o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), da Prefeitura de Cruzeiro do Sul, que tem como coordenador Madson Cameli, realizou uma semana de conscientização contra os crimes de abusos contra as crianças e adolescentes.

A experiente psicóloga Cintia Sampaio, que trabalha no Creas há 12 anos, nos concedeu essa entrevista, onde narra uma experiência de quem cuidou como profissional de situações dramáticas de abusos contra crianças, principalmente meninas na sua inocência abusadas por pais e padrastos.

Voz do Norte – Como psicóloga do Creas há 12 anos qual foi o caso mais grave que você já atendeu?

Psicóloga Cintia Sampaio – Aqui no Creas um dos piores casos foi de um pai que, no seringal, abusou das três filhas e depois da denúncia feita pela filha mais velha o Ministério Público (MP) solicitou que eu atendesse a menina de 11 anos.

Vozdonorte – Como foi esse atendimento?

Psicóloga Cintia Sampaio – No atendimento a menina ficou muda, simplesmente não conseguiu falar, perdeu a fala e não conseguimos através da intervenção psicológica. Aquilo mexeu muito comigo e com muita gente.  Na época o caso foi notícia aqui no Acre, o pai está preso até hoje.

Vozdonorte – Como foi descoberto a abuso das três meninas pelo pai?

Psicóloga Cintia Sampaio – A denúncia foi feita por uma das irmãs, que também foi violentada. Ela saiu de casa fugida porque sofria abuso, o pai queria tirar a virgindade, tirou das três irmãs e depois da denúncia foi um sucesso porque conseguimos que a menina falasse.

Vozdonorte – Como foi o atendimento da menina?

Psicóloga Cintia Sampaio – Conseguimos que ela falasse e a prova maior foi o que ela conseguiu falar, deixamos ela bem a vontade, chorou muito, acredito que ainda sofre, mas conseguimos a prova necessária para agir e fazer o acompanhamento do caso e da família.

Vozdonorte – E a mãe das meninas, sabia da situação? Por que não denunciou?

Psicóloga Cintia Sampaio – A mãe sabia de tudo, mas tinha muito medo porque o marido ameaçava matar todas elas. Eles moravam em um seringal e não tinha acesso a nada. A denúncia foi feita pela filha que fugiu e quando retornou para visitar viu as irmãs sofrendo os mesmos abusos.

Vozdonorte – Então, ela denunciou depois de saber que o pai continuava abusava das outras duas irmãs?

Psicóloga Cintia Sampaio – Isso mesmo. Ela viu que as irmãs sofriam os mesmos abusos que ela, o mesmo sofrimento psicológico e quando chegou na cidade fez a denúncia e a polícia conseguiu chegar até o pai e prendê-lo. As garotas foram encaminhadas para proteção.

Vozdonorte – Como ficaram essas jovens depois de um trauma tão grande?

Psicóloga Cintia Sampaio – Elas foram acompanhadas pelos profissionais do Creas e a informação que temos é que hoje estão bem melhor, inclusive já casaram, pois já fazem muitos anos. Esse foi o pior caso que participei.

Vozdonorte – São muitos casos que acontece como ficam essas jovens?

Psicóloga Cintia Sampaio – Na verdade, cada caso é um caso que marca principalmente a pessoa que atende. Tem uns que elas chegam muito fragilizadas. Recentemente uma criança de três anos foi violentada por uma pessoa de dentro da própria família. Isso impacta a gente.

Vozdonorte – Como os casos impactam os profissionais que atendem as ocorrências?

Psicóloga Cintia Sampaio – É assim mesmo, como psicóloga a gente tem uma experiência de muitos anos de trabalho, além da técnica de não se envolver emocionalmente e trabalhar para ter resultados satisfatórios para solucionar os casos, mas muitos casos deixam fortes impactos.

Vozdonorte – De onde vem, por que acontecem esses abusos? Tem uma explicação científica para a atitude do abusador fazer esse tipo de coisa?

Psicóloga Cintia Sampaio – Tem sim uma explicação. Geralmente a maioria dos pedófilos são pessoas com muitos problemas de ordem mental e transtorno. O normal seria um homem estar com uma mulher e se relacionar, mas eles acabam encontrando o motivo de prazer na criança.

Vozdonorte – Qual sua avaliação do momento atual?

Psicóloga Cintia Sampaio – Tem muitos fazendo isso, adultos que buscam satisfação sexual em crianças e adolescentes e além de abusar de crianças tem pessoas que gostam de praticar sexo com animal, mas isso não é o caso da nossa conversa, mas só para mostrar a situação grave.

Vozdonorte – Isso tudo é uma situação anormal né?

Psicóloga Cintia Sampaio – Sim, todas essas práticas são anormais e no caso do pedófilo as pessoas ficam impressionadas porque acreditam que eles não são capazes de praticar o ato. Aquele velhinho, o papai, o tio e o primo, as pessoas dizem que ele não é capaz de fazer isso, mas é sim.

Vozdonorte – Então, se pode avaliar que também os abusados têm um problema psíquico muito sério?

Psicóloga Cintia Sampaio – Com certeza, ser capaz de praticar um ato daqueles é um problema muito grave e sim os abusados tem um problema que está internamente nele, dentro dele, um problema psíquico muito sério que precisa de muita atenção,

Vozdonorte – Qual o maior trauma que fica em uma pessoa abusada? Ela chega a se recuperar?

Psicóloga Cintia Sampaio – Não se recupera jamais. Primeiro porque tira toda a inocência daquela criança que está brincando, fazendo suas atividades normais e de repente vem alguém e arranca algo dela que ela não quer e que desconhece.

Vozdonorte – Na sua maioria são pessoas da própria família, isso?

Psicóloga Cíntia Sampaio – Isso mesmo, aquela pessoa que a criança tanto confiava chega e faz algo que machuca, que dói e não só fisicamente, mas fica marcado para sempre no intelecto e no seu consciente e na sua alma.   Então, é uma violência irreparável, a pessoa nunca vai esquecer, nunca.

Vozdonorte – Como se chega a esse difícil entendimento de que as sequelas são para o resto da vida?

Psicóloga Cíntia Sampaio – Temos relatos de pessoas com 40 anos que sofreram abuso com seis, sete anos e ela tem consciência do que passou e não fala mais com tanta dor. As vezes ela até perdoa aquele que a abusou, o pai, o parente, alguém da própria família.

Vozdonorte – Então, é uma triste realidade o abusador estar dentro de casa?

Psicóloga Cintia Sampaio – É, isso é muito comum, o abusador estar dentro do elo familiar, tanto das famílias quanto do elo de amigos e isso fica marcado para sempre, a pessoa abusada nunca vai esquecer, não procura tratamento e acabam se envolvendo com drogas, prostituição, outras tentam se matar entre tantas outras sequelas por conta dessa violência.

Vozdonorte – Quais os principais sinais dados por uma criança que esteja passando por algum tipo de abuso?

Psicóloga Cintia Sampaio – Os sinais que podemos identificar em uma vítima é o isolamento, a criança começa a ficar mais retraída, não quer fazer determinada atividade, tristeza, desânimo, algumas crianças começam a ficar muito irritadas, outras ficam passivas.

Vozdonorte – Mas, tem mais sinais?

Psicóloga Cintia Sampaio – Com certeza, as crianças alegres e criativas as vezes ficam com esgotamento emocional, sem vida e outras começam a ficar explosivas, terem alterações de comportamento e é preciso que todos fiquem atentos a este tipo de abuso e as consequências.

Vozdonorte – Como fazer para perceber e depois agir frente a uma comprovação deste tipo de abuso ou suspeita?

Psicóloga Cintia Sampaio – Caso você, que está lendo ou nos assistindo perceber que seu filho ou alguém que você conhece, qualquer criança ou adolescente tenha alteração no comportamento, pode claro significar que está havendo alguma coisa, não necessariamente um abuso ou estupro.

Vozdonorte – Como agir diante de uma situação difícil daquela?

Psicóloga Cintia Sampaio – É preciso buscar ajuda, quanto mais precisamente você buscar ajuda, fica mais fácil, porque não vai ter tanto problema em decorrência desse abuso. Então, o que acontece quando você identifica e conversar as vezes ela vai ter medo e até sofrendo ameaças.

Vozdonorte – Nestes casos a orientação, então, é procurar ajuda?

Psicóloga Cintia Sampaio – Alguém vai te ajudar, pode encaminhar para o Creas, conversar com um familiar que tem mais confiança, justamente para fazer e trazer esses adolescentes ou essa criança para uma ajuda com um profissional, um especialista da área que vai saber atuar.

Vozdonorte – Para finalizar um caso de abuso afeta toda a família?

Psicóloga Cintia Sampaio – Afeta a família que adoece, sofrem e entram em choque. Quando se descobre que foi o padrasto, tio ou parente desestrutura tudo emocionalmente. Precisamos proteger nossas crianças e adolescentes, mas muitas pessoas ainda querem proteger os abusadores com medo de uma desestrutura familiar. Então, vamos proteger as crianças e adolescentes.

VEJA O VÍDEO: