Cruzeiro do Sul, Acre, 26 de dezembro de 2024 05:28

28 DE SETEMBRO 2020 – CRUZEIRO DO SUL, 116 ANOS

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Por Raimundo Carlos de Lima *

Há dois anos, quando fiz meus 114 de fundação, contei parte de minha rica História. Em 2019, ao completar 115 anos, narrei mais um pouco e, neste 28 de setembro de 2020, em que faço 116 anos, vou repetir pontos essenciais e contar mais um pouco. Eu preciso relembrar fatos importantes aos meus filhos, legítimos e adotivos, e a outros que tenham interesse em  conhecer melhor minha evolução.

Cruzeiro do Sul, zona central (1910-12) – Acervo Prof. Evandro Nogueira

Em 2018 narrei que, bem antes de minha fundação, que se deu em 1904, nos idos de 1850 por aqui só viviam os filhos indígenas; não tinham chegado nestas  paragens do Acre (que não era do Brasil nem de outro país) os chamados brancos, salvo exceções de  rápidas passagens de alguns, na tentativa de colher no glorioso Juruá ovos de tartaruga e alguns produtos. Mais tarde, por volta de 1870, poucos desbravadores teriam chegado ao nosso Rio Tejo, no Alto Juruá; e um grande número de trabalhadores teriam iniciado a vultosa imigração a partir de 1877, a maioria do Nordeste brasileiro, mas também  de outros países. E que em 1897 já tinham ocorrido por aqui conflitos entre brasileiros e peruanos pela posse de minhas terras. Eram muitos interesses na conquista de minhas terras e vocês sabem as razões. Alguns anos após muita exploração, fui perdendo minha mais valiosa riqueza da época, a borracha. Ainda assim, ajudei a enriquecer muita gente e o Brasil com a exportação desse valioso produto para a Europa e os Estados Unidos, em especial no 1º Ciclo da Borracha (1877-1913), mas também por muitos anos depois e ainda tivemos o 2º Ciclo da borracha nos anos 40.

Vista Aérea Cruzeiro do Sul – Foto: Onofre Brito (2016)

Eu já disse que aos meus 5 anos (1909) quando eu tinha 9.458 habitantes, fiquei praticamente isolada por ter o governo federal concentrado as atividades administrativas, judiciárias e políticas do Acre em minha irmã Sena Madureira. Passei a ter menos atenção do governo para com meu povo. Essa situação preocupou meus filhos, que criaram o chamado Movimento Autonomista do Acre, com a coordenação aqui. E que, no mesmo ano de 1909 eles elaboraram o 1º Manifesto Autonomista do Território do Acre, encaminhado ao Congresso Nacional, no Rio de Janeiro, Capital da República. E, no ano seguinte, 1910, deflagraram os autonomistas a Revolta do Alto Juruá – a Revolução dos 100 Dias – depondo o Prefeito João Cordeiro e formando uma Junta Governativa com seis autonomistas. E, em 1919, encaminharam o 2º Manifesto Autonomista ao Congresso Nacional e ao então Presidente da República, Delfim Moreira da Costa Ribeiro.

Vocês lembram que em 1920 os Departamentos, que formavam a administração do Território Federal do Acre, foram unificados para que o Território passasse a ter apenas um governador?  Que este, como os prefeitos, eram todos escolhidos pelo Presidente da República? Com essa unificação, eu fui Capital do Alto Juruá apenas de 1904 a 1920 (isso oficialmente, pois de fato ainda sou). Naquele ano eu tinha 15.216 habitantes brasileiros e 258 estrangeiros. Hoje, estou com 89.072 habitantes, segundo a estimativa 2020 do IBGE.

Ah, é importante lembrar que tenho ao meu lado o povo dos municípios vizinhos: Rodrigues Alves (19.351 hab), Mâncio Lima (19.311 hab), Porto Walter (12.241 hab) e Marechal Thaumaturgo (19.299 hab), que foram de mim desmembrados, além dos municípios amazonenses de Guajará (16.937 hab.) e Ipixuna (30.436 hab.), aos quais tenho o prazer de dar assistência na saúde, educação e algo mais; e eles também contribuem com meu crescimento e desenvolvimento. Portanto, juntos, somos 206.647 habitantes. Isso sem falar no município vizinho de Tarauacá (43.151 hab), com o qual tenho boas relações comerciais e também presto assistência médico-hospitalar em casos mais complexos, em especial neste período de pandemia. Com ele somamos uma população de 249.798 habitantes.

Neste ano de 2020, logo após meu aniversário teremos eleições (em novembro) para escolha de meu Administrador (Prefeito) e Membros de meu Poder Legislativo (Vereadores). Desejo que meus filhos, que vão escolher, sejam iluminados para que escolham pessoas que cuidem bem de mim e de minha gente nos próximos quatro anos.

No que tange ao meu crescimento e desenvolvimento, eu já disse que  após os dois Ciclos da Borracha (1877-1913 e 1942 a 1945), meu principal produto foi perdendo o valor no mercado internacional, nos conduzindo a novos rumos. Contudo, meus empreendedores teriam adotado novas medidas, fortalecendo o comércio e a plantação de outros produtos. E, mesmo com grandes dificuldades crescemos e nos desenvolvemos. Eu já disse também que, além do surgimento e crescimento de pequenas indústrias, recentemente ganhei até meu primeiro e belo shopping, o Shopping Copacabana, de um de meus filhos empreendedores.  Meu setor industrial, apesar de pequeno vem crescendo juntamente com o setor de serviços. O segmento de abastecimento merece destaque, em especial o de mercadorias e produtos em geral, que conta hoje com muitas variedades. Esses fatores fazem com que eu me mantenha como cidade-polo do Vale do Juruá acreano.

Quanto ao transporte intermunicipal e interestadual terrestre, relembro que até o ano de 2010 as pessoas só chegavam à minha sede, sem maiores dificuldades (pois contava com a BR-364 não asfaltada em sua maioria), por meio de aviões e de embarcações fluviais, estas pelo rio Juruá. E a partir de 2011, no trecho que me liga à capital, Rio Branco e ao restante do País, passei a contar também com o transporte terrestre todos os dias do ano.  

No transporte aéreo, neste ano em que completo 116 anos de idade tive muitos sobressaltos, sustos e preocupações. Além da famigerada crise sanitária que envolveu o mundo inteiro e sobre a qual não posso deixar de falar mais adiante, o voos da maior companhia aérea que realizava os transportes de minha população, a GOL Linhas Aéreas, teve seus voos suspensos em decorrência da pandemia do coronavírus. Mesmo com a rodovia, temos enfrentado uma fase difícil. Mas o susto maior foi quando ressurgiu a possibilidade de retorno de voos e a companha anunciou seu desinteresse pela continuidade dos voos. Inimaginável essa possibilidade! Lembro que no ano de 1938 eu recebi o 1º voo aéreo, um pouso no rio Juruá, pelo qual sou banhada; e em 1939, o primeiro pouso em terra, antes mesmo de minha primeira pista de pouso estar concluída. E, após os voos mensais do Correio Aéreo Nacional, iniciados em 1947, passei a contar, em 1951, com voos semanais da Panair do Brasil S.A., no trecho Manaus-Cruzeiro do Sul-Manaus. E, no mesmo ano de 1951, passei a ter voos da gloriosa companhia Cruzeiro do Sul S.A., e de várias outras também importantes empresas aéreas de pequeno porte e outras maiores de transporte de cargas. Deram continuidade aos voos da Cruzeiro do Sul S.A  a Varig S.A., Rico Linhas Aéreas e, por fim, a GOL Linhas Aéreas, a partir de 2007. A notícia de interrupção dos voos teve efeito devastador! Mas, felizmente, meus filhos, juntamente com os governantes e o Ministério Público Estadual adotaram providências que, mais uma vez, obtiveram boa solução para a continuidade (que se diz confirmada para o próximo mês de outubro de 2020) da principal linha área do transporte de passageiros. Assim, conto de novo com o transporte aéreo regular após a mais difícil fase da grande crise sanitária mundial de 2020 (a epidemia COVID-19, que ainda não chegou ao fim).

Já relatei antes que, nos meios de Comunicação, desde minha fundação até os dias atuais já tive mais de 32 jornais escritos. E há algum tempo tenho também jornais “on line”. Tinha também tipografias desde minha fundação. Quanto à imprensa falada, entre rádios e televisões já somei cerca de 13 ou mais até agora. E desde cedo conto com os Correios e Telégrafos; contei também, por muitos anos, com a Rádio Farol da FAB e com a Estação de Rádio do Governo do antigo Território.

No campo da Saúde, eu já disse que no ano de 1956 eu possuía dois médicos; no ano de 2011, já contava com 69 médicos e alguns odontólogos, e também com bacharéis em enfermagem, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, assistentes sociais, além de um grande número de outros profissionais da saúde; que tenho, desde o  ano de 2006, os cursos superiores de enfermagem e biologia! E que nesse ano de 2006 passei a ter SAMU. Há tempo tenho também uma unidade do importante Corpo de Bombeiros, coisas que apenas cerca de 600 dos municípios brasileiros possuíam no ano de 2015!  Tenho também várias unidades de saúde, públicas e particulares, que incluem hospital regional, hospital de dermatologia sanitária, hospital da mulher e da criança e várias outras unidades de saúde da família, postos de saúde, unidade fluvial periódica; clínicas médicas, odontológicas e fisioterápicas, laboratórios de análises clínicas e várias drogarias/farmácias, todos de bom padrão. Sei que ainda precisamos melhorar, mas não posso esquecer minha grande evolução neste setor.

Mas foi na saúde, no entanto, como todos sabem, que meu povo e o mundo inteiro teve um ano difícil. Uma crise sanitária mundial equivalente à ultima, que ocorra em 1918-1920, a Gripe Espanhola, que matou cerca de 35.000 brasileiros e mais de 50 milhões no mundo. Em 1920 o Brasil tinha apenas cerca de 28 milhões de habitantes. A crise atual, causada pelo CONONAVIRUS, me tirou vários filhos, legítimos e adotivos, incluindo profissionais da saúde (conforme Boletim-COVID/AC, até 25.09.2020 foram 59), além de ter deixado sequelas na saúde de muita gente e em minhas atividades econômicas.

Aliás, para muitos de meus filhos que ainda não sabem, vou registrar aqui o que a Imprensa já tem divulgado, o que significa esse fenômeno. COVID significa  Coronavírus Disease. “Disease”  significa  Doença, em inglês (pronuncia-se “di-zí-zi”). Então, COVID é a Doença do Coronavírus, ou seja,  a doença causada pelo vírus corona. Ela está identificada como  Covid-19. De acordo com a Fundação Fiocruz, “19” se refere ao ano de 2019, ano em que os primeiros casos surgiram na cidade de  Wuhan, China e foram divulgados publicamente pelo governo chinês no final de dezembro.

No âmbito da Assistência Social, como em todo o Brasil eu preciso evoluir, mas tenho unidades de assistência à criança e ao adolescente, de assistência ao idoso (pública e particular), além das que prestam assistência aos dependentes químicos. E, como em boa parte do Brasil, ainda posso contar com o serviço social da Maçonaria, das Forças Armadas, do Ministério Público e de outras entidades e pessoas físicas.

No campo da Educação, ouço falar que o Brasil ampliou os meios de acesso, mas no setor público tem havido perda na qualidade! É uma Pena! Mas dizem também que houve melhora no nível superior, em especial no ensino público. Que bom! Eu soube que houve em meu território um grande aumento no número de unidades escolares; que isso aconteceu até mesmo no meio rural. Eu sei que ganhei vários cursos superiores, públicos e particulares; até alguns cursos à distância. Sei que no ano de 1989 ganhei o primeiro curso de graduação plena, o Curso de Graduação em Letras. Também ganhei cursos técnicos de nível médio nos últimos anos, e até um Instituto Federal de Educação, ciência e Tecnologia! Ah, tenho também cursos de idiomas, bibliotecas públicas e privadas e outras entidades ligadas ao campo do ensino e da educação. Boas notícias, mas quero mais.

Nos campos Cultural e Desportivo, tive muitas conquistas. Como todas as cidades, tive ganhos e perdas, mas ainda posso contar com teatros, cinema, bons profissionais da música e até escola de música para crianças e adolescentes carentes; marchetaria, artesanato, e algumas modalidades esportivas. E sei que vou evoluir ainda mais.

Quanto à Religiosidade, repito que possuo muitas igrejas, a maioria cristã, e também várias outras bem significativas para grande parte de meu povo.

Neste ano, como em todo o Brasil e quase todo o mundo, todos sabem, as atividades religiosas sofreram grande mudança e dependeram de muita criatividade e novas iniciativas. O grande evento anual dos católicos de meu solo, que é o Novenário de Nossa Senhora da Glória, minha padroeira  para os filhos católicos – que se realiza de 6 a 15 de Agosto – este ano teve a participação dos fiéis por meio da internet, usando-se o moderno recurso da chamada LIVE. O encerramento, que sempre se fez com a chamada Procissão, foi realizada com os fiéis acomodados dentro dos veículos automotores. Segundo informações da Imprensa local e de muitos participantes que se utilizaram de vídeos de seus celulares, a fila formada por veículos alcançou entre 18 e 20 km de comprimento! Foi uma forma inédita, mas que superou todas as expectativas e surpreendeu positivamente.

Por fim, acho bom repetir que por aqui (no Alto Juruá)  existe a vegetação mais abundante do Brasil e a maior biodiversidade do planeta, com a maior variedade de espécies.

Peço aos meus filhos estudantes que não esqueçam estes acontecimentos históricos de luta por minha evolução.

Sou Cruzeiro do Sul, no Estado do Acre. Sei que temos duas outras cidades irmãs, com meu nome, na Região Sul de nosso imenso Brasil.  Quanto ao topônimo,  apesar de estar situada no extremo Ocidente do Brasil, eu tenho o nome inspirado na Constelação do Cruzeiro do Sul. Disse meu fundador, importante engenheiro militar e meu 1º prefeito, Gregório Thaumaturgo de Azevedo, que eu teria este nome porque em nenhum outro lugar deste País essa constelação brilhava mais forte que aqui.

Como sempre, quero dar meus Parabéns aos meus filhos, legítimos e adotivos, que lutaram por minha existência e continuam lutando por meu crescimento e desenvolvimento! Deus abençoe a todos! Um ótimo 28 de Setembro de 2020.

* Raimundo Carlos de Lima  (Dindola) é  cruzeirense, autor de:

 –  livro NA AMAZÔNIA OCIDENTAL, a cidade-sede do  Alto Juruá revelada,lançado em jan 2016;

  –  poema Amor à terra do extremo ocidente,de 2017 (homenagem a Cruzeiro do Sul por seus 113 anos);

  –  crônica em homenagem aos 114 anos de Cruzeiro do Sul-AC  (set-2018);

  –  crônica em homenagem aos 115 anos de Cruzeiro do Sul-AC  (set-2019).

  –  crônica em homenagem aos 116 anos de Cruzeiro do Sul-AC  (set-2020).