Na manhã desta quinta-feira (31), o Plenário da Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) foi palco de uma audiência pública para debater a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. A iniciativa, proposta pela deputada Michelle Melo (PDT) por meio de requerimento, teve como objetivo abordar os desafios e avanços para a promoção da equidade racial no acesso à saúde e a melhoria das condições de atendimento para a população negra no estado.
Durante o encontro, autoridades, representantes da sociedade civil, profissionais de saúde e ativistas sociais compartilharam perspectivas e experiências sobre as barreiras enfrentadas no atendimento a essa população. A audiência destacou a importância de políticas públicas eficazes que garantam acesso a serviços de saúde com qualidade e atenção específica às vulnerabilidades enfrentadas por grupos historicamente marginalizados.
Michelle Melo enfatizou os inúmeros desafios enfrentados pela população negra no Acre, destacando as estatísticas alarmantes de violência contra a mulher, desemprego e vulnerabilidade social que afetam majoritariamente esse grupo. “Quando vemos os grandes desafios e sofrimentos da nossa população, sempre temos ali em sua maioria a população negra. Infelizmente, poucas pessoas se reúnem para falar desse recorte,” afirmou a parlamentar, chamando a atenção para a urgência de políticas públicas que possam reverter esse cenário.
A deputada, que também é médica, destacou a importância de um olhar atento às particularidades de saúde dessa população, mencionando a necessidade de adaptação em determinados tratamentos. “Até no tratamento da pressão alta existe uma pequena diferença para a população negra que o médico precisa observar. Não estamos aqui falando de favorecimento racial, mas de uma realidade pouco colocada. Uma população que é maioria, que sofre e necessita de políticas públicas bem construídas para que possamos avançar,” declarou a deputada, reforçando o compromisso de seu mandato em promover avanços concretos na saúde e qualidade de vida para todos.
Representando a vice-governadora Mailza Gomes, Amanda Vasconcelos parabenizou a deputada Michelle Melo pela realização da audiência e ressaltou a importância da inclusão da população negra nas políticas de saúde. “Parabenizo a deputada por se colocar à disposição de maneira real, não apenas cordial. Ela tem aberto as portas para os grupos em situação de vulnerabilidade, em especial a população negra. Essa política de inserção das pessoas negras no SUS é essencial para corrigir as desigualdades nos atendimentos prestados a essa população, prejudicada pelas vulnerabilidades socioeconômicas e raciais. Precisamos caminhar juntos, sociedade civil e governo, para tornar essa política uma realidade, ” declarou Vasconcelos.
Reuben Ferreira que participou da audiência representando a Secretaria de Estado de Saúde, destacou o esforço do setor em desenvolver uma linha de cuidado integral voltada para a doença falciforme, que afeta significativamente a população negra. “Estamos trabalhando na elaboração de uma linha de cuidado que vai desde o atendimento primário, no postinho, até a área hospitalar, incluindo abordagens laboratoriais e apoio psicológico, já que a dor causada pela doença falciforme é algo muito significativo,” afirmou. Ele ressaltou ainda, a importância de uma abordagem abrangente e inclusiva, lembrando que “a população negra historicamente não foi bem assistida, e é recente o resgate para trabalhar e discutir uma política específica que atenda suas necessidades”.
Rose Santos, representante do Ministério da Saúde, compartilhou experiências de outras regiões do país para ilustrar a importância da inclusão do quesito raça/cor nos sistemas de saúde e em outros setores. “Em Pernambuco, acompanhei a criação de um projeto de lei que, desde 2020, torna obrigatória a inclusão do quesito raça/cor em todos os sistemas do governo, não só na saúde. Agora, no Pará, a deputada Lívia Duarte está propondo um projeto similar, reforçando a obrigatoriedade dessa política,” explicou. Ela também destacou uma parceria recente com a Secretaria Estadual do Acre para promover um curso de letramento racial voltado para servidores, em conjunto com universidades e o Conselho Estadual, com o objetivo de implementar essa política de forma qualificada e abrangente no estado.
Santos ressaltou ainda a importância da educação permanente para os servidores na implementação eficaz dessas políticas. “Quando falamos em obrigatoriedade, falamos também em qualificação e letramento racial. Pactuamos ontem com a Sesacre um curso voltado para o letramento racial dos servidores, com o apoio da universidade e do Conselho Estadual, para que possamos trazer esse conhecimento de forma contínua e acessível,” afirmou. Ela enfatizou que essa formação permitirá um entendimento mais profundo sobre o impacto do racismo estrutural e proporcionará um atendimento mais respeitoso e adequado às necessidades da população negra no Acre.
Durante seu discurso, a defensora dos Direitos da Mulher e da Igualdade Racial, Dra. Juliana Caobianco, ressaltou a importância de debater a saúde da população negra com a mesma seriedade que se discute a vida, destacando que “74% da população do Acre é negra, e essa comunidade já vulnerável pela cor da pele é ainda mais desassistida pela falta de políticas públicas efetivas.” Caobianco criticou a ausência de execução de políticas, afirmando que “temos boas legislações e planos, mas faltam ações concretas.” Ela enfatizou a necessidade de um atendimento humanizado, relatando situações de discriminação enfrentadas por mulheres negras e lamentou que, na Defensoria Pública do Estado, muitos casos acabam sendo encerrados pela morte dos pacientes antes que consigam acesso ao tratamento necessário.
Almerinda Cunha, presidente da Associação das Mulheres Negras do Acre, fez um apelo emocionado pela vida e saúde da população negra, destacando seu cansaço com a falta de ação concreta. “Se somos maioria no Brasil e no Acre, por que o dinheiro do SUS não é usado para tratar nossas doenças?” Questionou. Ela relembrou os anos de luta e os esforços já feitos, incluindo apelos ao Ministério da Saúde, ao presidente Lula e ao Ministério Público, mas lamentou que, apesar de tudo, “mais vidas são ceifadas, mais corpos negros mortos.” Almerinda enfatizou a necessidade de responsabilizar o Estado por cada vida perdida pela ineficácia do sistema de saúde.
O promotor Talles Ferreira, da Promotoria de Justiça Especializada de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania, destacou a necessidade de uma atuação efetiva na promoção da saúde da população negra e enfatizou a urgência de um legado antirracista, especialmente para as futuras gerações. “Se tivéssemos implementado a Lei de 2003, que prevê educação antirracista, hoje não estaríamos discutindo essa negligência do Estado,” afirmou ele, que aguarda há mais de 30 dias respostas sobre alocação de verbas, capacitação contra o racismo estrutural e dados específicos voltados para a saúde e mortalidade da população negra. Ele reforçou a cobrança de compromisso do Estado para ações concretas e orçamentárias que atendam esse público vulnerável.
Encerrando sua participação, Rose Santos, representante do Ministério da Saúde, reafirmou o compromisso de fortalecer políticas públicas direcionadas à saúde da população negra no Acre, ressaltando a importância de dados específicos para embasar essas ações. “Não se faz política pública, não se traça ações e estratégias se a gente não conhece quem é essa população,” afirmou. Ela ainda enfatizou que muitas dessas demandas já estão previstas em lei e apelou ao Estado para que assuma a responsabilidade de implementar medidas eficazes, especialmente para atender crianças com doença falciforme, combater o feminicídio e reduzir a mortalidade materna e infantil.
Encaminhamentos da audiência
Ao final da audiência pública, a deputada Michelle Melo fez um resumo dos encaminhamentos propostos para garantir avanços na saúde da população negra e de outros grupos vulneráveis. Ela destacou a importância da colaboração entre a sociedade civil e o governo na implementação de políticas públicas efetivas.
Dentre os encaminhamentos, a deputada anunciou a solicitação à Secretaria de Saúde para obter o Plano de Cuidado da Doença Falciforme, a fim de acompanhar sua elaboração e execução. Além disso, ela mencionou um projeto de lei que obrigará o preenchimento de informações sobre raça e cor, situação de rua e neurodiversidade em todos os formulários do serviço público, acompanhando isso de um programa de educação permanente para a qualificação desse preenchimento.
Michelle também propôs a realização de uma nova audiência pública voltada para a saúde da mulher no Acre, além de requerer que a Secretaria de Saúde apresente os indicadores e boletins epidemiológicos na Assembleia Legislativa, com ênfase nas necessidades da população negra, mulheres, neurodiversidade e pessoas em situação de rua.
Outro ponto importante foi a proposta de um projeto de lei que torne obrigatória a realização do diagnóstico da Doença Falciforme em todos os ciclos de vida, complementado por ações de conscientização sobre a doença, que ainda é pouco discutida.
Por fim, a parlamentar revelou a intenção de trazer o anticoncepcional Implanon para o serviço público, uma medida que visa combater a gravidez precoce entre populações vulneráveis, como pessoas em situação de rua. A deputada e a defensora Juliana Caobianco se reunirão na próxima segunda-feira para discutir os detalhes desse projeto, visando maximizar suas potencialidades.
Texto: Andressa Oliveira
Fotos: Sérgio Vale