MANAUS (AM) – A violência desencadeada na cidade colombiana de Medelín e Calí, após o surgimento dos cartéis de drogas, há três décadas, causava perplexidade pelas cenas de mortes brutais registradas nas cidades colombianas. Os métodos cruéis parecem ter se reproduzindo e virado realidade no campo do horror manauara.
Nos últimos meses, os agentes da Delegacia Especializada em Homicídios e Sequestros (DEHS) tem se debruçado sobre uma sequência de crimes registrados em Manaus que romperam o limite da própria concepção da barbárie.
Desde 2017, durante a eclosão da rivalidade entre integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) e da então dominante Família do Norte (FDN) – agora com uma nova roupagem, em conflitos intramuros nos presídios amazonenses e depois agravada por membros do Comando Vermelho (CV), já indicavam que as cenas brutais se repetiriam nas ruas da capital amazonense.
No dia 18 de agosto, uma cena chocante surpreendeu moradores do bairro Tancredo Neves, na Zona Leste de Manaus. Uma cabeça, tronco e um lado da perna de um homem foram encontrados em diferentes pontos daquela área.
De acordo com os policiais militares que atuam no bairro, apenas a cabeça e a perna esquerda da vítima foram deixadas às margens de um igarapé na avenida José Romão. Já o tronco foi encontrado na avenida Batrum. A morte tem característica de execução por acerto de contas com o tráfico de drogas.
Às margens do riacho, moradores se aglomeraram para acompanhar o andamento da ocorrência, em um local de difícil acesso.
“Nós nos surpreendemos ao ver uma cena dessas. É algo chocante. É muito triste ver que a violência já chegou a esse ponto em nossa cidade”, relatou uma moradora.
O tronco com as vísceras da vítima foi localizado próximo a um saco plástico na avenida Batrum. A área onde ocorreu os dois crimes foi isolada pelas autoridades e o caso segue sendo investigado pela Polícia Civil.
Mãe implorou
A dor e o desespero de dona Leia Ferreira de Souza, de 50 anos, mãe do jovem Geovane Ferreira de Souza, de 19 anos, comoveram os manauaras. O filho dela teve a cabeça encontrada decapitada no bairro Jorge Teixeira, Zona Leste de Manaus, no dia 25 de fevereiro.
Na época, durante entrevista ao Em Tempo, a dona Leia implorou que os assassinos entregassem o corpo do filho dela. Os restos mortais do jovem foram encontrados um dia depois, em um igarapé da comunidade Mutirão, na Zona Norte
Filmado enquanto era esquartejado
Em mais um caso chocante, o jovem Fênix Maciel, de 27 anos, foi filmado sendo esquartejado por integrantes da facção criminosa Família do Norte (FDN), facção rival. O caso ocorreu no início do ano passado e até hoje o corpo dele não foi encontrado.
A vítima foi reconhecida pela própria família, por causa da tatuagem na região do abdômen e da camiseta. Fênix era membro da facção criminosa Comando Vermelho (CV) e teria sido morto pela FDN.
Conforme fontes revelaram ao Em Tempo, o crime, possivelmente, aconteceu em um sítio no quilômetro 6, do ramal do Brasileirinho, na Zona Leste de Manaus. O local é costumeiramente utilizado por criminosos para execução e realização do “tribunal do crime”.
Aumento de mortes violentas
Dados da SSP apontam que foram registradas 506 mortes violentas em Manaus, só no primeiro semestre do ano, o que representa um aumento de quase 30%, se comparado com o mesmo período de 2020, quando foram contabilizados 380 crimes contra a vida, entre homicídios e latrocínios.
Segundo o delegado Charles Araújo, titular da Delegacia Especializada em Homicídios e Sequestros (DEHS), a maioria das mortes violentas está ligada ao tráfico de drogas e sua busca pelo poder. “A maior parte [das mortes violentas] têm a ver com disputa por pontos de tráfico de entorpecentes”, diz o delegado.
O delegado explica que as mortes brutais têm o objetivo de demonstrar força. “Agindo desta forma, os membros de facção criminosa querem demonstrar o poder e ao mesmo tempo, tentam intimidar os seus rivais”, afirmou Charles.
Legislação e combate efetivo precisam ser fortalecidos
De acordo com Hilton Ferreira, especialista em segurança pública, entre conflitos de organizações criminosas não há nenhum outro meio para impor o poder, a não ser a morte. A força do poder bruto é o único método instituído por essas quadrilhas.
“Se você tinha uma facção comandando uma determinada região, mata para invadir a área, mata quem não concorda com os novos líderes, mata por dívidas com o tráfico, mata os soldados que não cumpriram as tarefas, mata para se defender. Então morrem pessoas dos dois lados e a população acaba ficando no meio desse fogo cruzado“
De acordo com o especialista, falta política nacional de combate ao narcotráfico e tráfico de armas nas fronteiras com orçamento adequado.
“É primordial uma legislação com penas mais fortes, incluindo o confisco de bens. Também são necessárias ações permanentes nas fronteiras brasileiras, por parte da Polícia Federal (PF). Sem estas ações, muitas cidades brasileiras, incluindo Manaus, recebem toneladas de drogas e armas, com consequências previsíveis, em que o crime organizado avança e as polícias estaduais acabam fazendo apenas o papel de enxugar gelo”, ponderou Hilton Ferreira.