Formar e atuar no jornalismo é uma escolha desafiadora para mulheres negras e nordestinas. Em muitos casos, decidir pela profissão se baseia na paixão e, ousaria dizer, que a vontade de causar transformações sociais por onde passamos tem bastante relevância.
Foi o que me moveu, é o que me move, especialmente atuar em veículos independentes, de impacto social e plurais, como o Portal Correio Nagô. Vale salientar que são esses os que mais agonizam para sobreviver.
E a centralização de recursos em outras regiões do país exporta tantas profissionais para longe do seu território na busca de mais oportunidades e melhores salários.
Se fosse diferente, a jornalista Gislene Ramos, 37, que vive há 6 anos em São Paulo, não teria necessidade de migrar para fazer especialização em jornalismo negro. “Não encontrei algo que contemplasse o tema na Bahia, achei a pós-graduação em Relações Étnico-raciais na USP. Me inscrevi sem perspectiva de passar, fui aprovada e tive que migrar”, lembrou a jornalista criadora da revista Aonde?! e gestora do site Fala Preta, mídia preta e periférica.Como muitas de nós, Gislene se incomodava com as mesmas perspectivas das pautas que produzia nos veículos convencionais. “Já tinha passado por grandes jornais e as histórias não me incitavam. A cada novo ano, o viés era igual”,
Hoje, ela ampliou sua atuação para publicidade e leva sua perspectiva racial e cultural para as disputas de poder e de narrativas neste espaço.
Por via um pouco diferente, a jornalista de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, Lorena Ifé, 34, contou que a sua trajetória na comunicação foi de encontro com organizações do terceiro setor. “Por ser negra, ter trabalhado na periferia, com jovens e políticas sociais, consegui conquistar e consolidar minha carreira em Salvador”, complementou Lorena, que também comanda o Afrodengo, comunidade de relacionamento afrocentrado.
Vale dizer, que Lorena trilhou um caminho comum para muitas de nós, em busca de acolhimento e aquilombamento, sentimentos raros em empresas convencionais. “Já me senti muito oprimida em espaço com chefes brancos e inclusive já pedi demissão de lugares porque percebi o ambiente de opressão, adoecedor, quando existia uma questão de hierarquia racial”, relatou Ifé.
Se em 2023 cenários do tipo são comuns, imagina para a jornalista baiana, Cristina Viana, 60, que em 1994, entrou para o curso de jornalismo da UFBA e se tornou a primeira mulher preta a liderar o setor de jornalismo de uma grande emissora no estado.
“Uma vez conversando com uma liderada sobre o texto, chamei a atenção dela, e ela não ficou satisfeita; saiu imitando um macaco pelos corredores da redação”, contou Cristina, que durante sua jornada na comunicação nos anos 2000, sofreu diversas formas de violência, a ponto de ser diagnosticada com depressão e trauma por estresse devido ao racismo.
A menina que nasceu na periferia próxima do tradicional bairro do Rio Vermelho cresceu através do aprendizado incansável e competência dentro da TV foi levada à pensamentos de desistência pela opressão, mas não desistiu.
Afinal, ela já trouxe para casa o prêmio Camião Coutuval 2020, da Colômbia, de melhor documentário de diversidade e inclusão. Ou seja, continua contando nossas histórias por onde passa.