Em “acreanês” se diz gastura amoada para definir problemas estomacais e destentar, para trocar cheque, diz Antônio Klemer
O jornalista e humorista acreano Antônio Klemer, aos 62 anos de idade, não sabia, como muitos de seus patrícios, o que é um panegírico. Pois bem, eu também não sabia. Está lá no Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa: “Discurso de exaltação feito publicamente em louvor de alguém ou de uma entidade abstrata”.
Isso ocorre, quase sempre, em colegiados como os de academias – no caso, as de letras, tanto na brasileira, como nas representações estaduais. Na Academia Acreana de Letras (AAL), o último panegírico local foi em torno do poeta e fundador da própria AAL Mauro D’Avila Modesto, morto aos 80 anos no dia 13 de julho de 2023, em Rio Branco, vítima de infarto
Foi então que Antônio Klemer e outros aprenderam que panegíricos são feitos, portanto, entre os imortais das academias para saudar imortais, contradição ou não, que morreram..
E Antônio Klemer havia ido à sede do sodalício apresentar o seu dicionário de acreanês, “a língua do povo acreano”. Embora sem pretensões acadêmicas, o livrinho reúne, em verbetes, o glossário de algumas palavras utilizadas pelos acreanos e as quais só têm sinônimo ou significado real na comunicação e demais relações humanas se ditas no legítimo acreanês.
Uma dessas palavras é, por exemplo, “destentar” – no sentido de verbo descontar, trocar cheque, e que é uma palavra não utilizada fora do Acre. Só há registro de sua grafia no Dicionário de Língua Espanhola, no sentido de “afastar a tentação de alguém, propondo razões que o convençam a superá-la”.
Ou seja, se, ainda na época dos cheques, entrasse um acreano numa agência bancária da Bolívia – até mesmo aqui em Cobija, propondo “destentar” um cheque, seria levado a uma igreja ou a um psiquiatra ou psicólogo que o demovesse da ideia de atentar, seja lá o que for.
O livrinho despretensioso de Antônio Klemer, no entanto, atinge robustez, além do conteúdo dos textos de um dos jornalistas mais engraçados e ferinos dos últimos 40 anos da imprensa acreana, com seu vocabulário caustico, graças às apresentações.
O prefácio é do jornalista e escritor acreano radicado em Brasília Pitter Lucena; nas chamadas “orelhas”, pós e contracapa, as apresentações ficam por conta de artistas renomados, como o conhecidíssimo Falcão, talvez o artista brasileiro mais avacalhado do país, que se apresenta como “poeta e cantor cearense”, e o outro, ninguém menos que o humorista Tom Cavalcante, também cearense.
A propósito, transcrevo a seguir o que diz o premiado humorista, agora de volta à Rede Record de Televisão com seu programa “Acerte ou Caia”, um show cheio de surpresas, brincadeiras e muito bom humor, com uma produção com perguntas e respostas que podem render um prêmio milionário… ou uma queda inesperada!
Sobre o livro de seu amigo Antônio Klemer, Tom Cavalcante afirma: “Eu sou fã do Antônio Klemer e por isso topei, de cara, escrever algumas linhas de seu mais novo trabalho literário”. “Trabalhamos juntos por quase 20 anos de parceria e amizade e admiro o grande amor que ele devota ao Acre e ao povo dele”, acrescenta o humorista, entre outras coisas.
Autor explica as razões de escrever o dicionário do acreanês:
Klemer, por que o acreanês?
Antônio Klemer – Porque percebi que, com o passar do tempo, com os avanços de outra cultura sobre a acreana, até as crianças já estavam enrolando a língua para falarem porta ou porteira, como no interior de São Paulo. Vi que a nossa principal e melhor característica estava se perdendo. Como eram palavras que eu já utilizava há muito tempo, me aprofundei mais um pouco e acabei por acrescentar palavras ao que eu já havia escrito anteriormente, no “Manual de Sobrevivência na Terra que o Cupuaçu Abunda” e em outras publicações de artigos na imprensa.
Devo dizer que é algo sem pretensão acadêmica ou coisa do gênero. Digo que é uma brincadeira que é, ao mesmo tempo, do vera. Agora é para registrar o que somos e o que dizemos.
Dessas palavras todas que você traz aqui, tem alguma que você gosta mais?
Antônio Klemer – Sim: Imbiricica. Para mim, é um utensílio. É um conjunto de peixe. É um utensílio e é unidade de medida. E essas palavras, inclusive, têm essa coisa de ser, só um tempo, uma unidade de medida e também de utilidade doméstica, para transportar peixe, o caíco, pescado em beira de rio, de açude.
E, nesse idioma, como é que um homem pediria uma mulher em casamento?
Antônio Klemer – E aí, menina bonita, tu quer te amigar comigo?
E como seria o anúncio de um assalto? No Rio e em outros grandes centros, é: tu perdeu, mano! O assalto, em acreanês, como seria?
Antônio Klemer – Preferia que nossos irmãos não se tornassem assaltantes, mas acho que, no assalto mesmo, seria algo mais ou menos assim: tu se lascou, mermão… Mas ainda prefiro aquela do engalobar, do alelar, levar tudo…
Numa das três vezes em que você foi no programa do falecido Jô Soares, ele chegou a te perguntar qual o significado para a expressão “ficou cheirando a vara do Batista”. Qual foi sua explicação para isso?
Antônio Klemer – Na época eu disse ao saudoso Jô que as palavras, embora antigas, vão dando significados novos, dando utilização nova. Eu disse a ele que “cheirando a Vara do Batista”, nada mais é do que, numa interpretação minha, agora como pastor, como um cara que ficou para trás, um cara que está ultrapassado e não sabe que ficou lá no passado.
E de onde vem a semântica, a origem dessas palavras do acreanês?
Antônio Klemer – De muitas fontes, de muitas origens. O Acre é um mosaico, um Estado que já nasceu cosmopolita. O quêbe, por exemplo, vem do kib, do Líbano, da Síria. As palavras que terminam em nauá vêm dos indígenas e o que é ciriboulo e essas outras coisas que vieram, são nordestinas e foram dando origem às nossas palavras.