Cruzeiro do Sul, Acre, 8 de fevereiro de 2025 17:58

O Dia Municipal do Jornalista é homenagem à João Mariano, o mais importante jornalista do Juruá em todos os tempos

joao mariano (1)

João Mariano, vive!!!

Um Projeto de Lei do vereador Osmar Ferreira da Silva (Marito), aprovado pela Câmara Municipal de Cruzeiro do Sul, estabeleceu o dia 13 de maio como o Dia Municipal do Jornalista numa justa homenagem ao mais importante jornalista do Juruá em todos os tempos, João Mariano da Silva.

Depois da criação do Dia Municipal do Jornalista uma Emenda ao Projeto de Lei do ex-vereador Marito, o ex-vereador José Amauri Barbosa (Sinhor), que também foi aprovada, criou a Medalha do Mérito Legislativo ao Jornalismo para homenagear os jornalistas em atividade no município.

Quadro que retrata o jornalista João Mariano editando o jornal é de autoria do artista plástico cruzeirense Osvaldo Dilson Magalhães

João Mariano da Silva, o Escriba do Juruá, é pai da professora Gisalda Mariano que ao longo tempo tem preservado as edições dos jornais “O Rebate” e o “Juruá” e mais recentemente, junto com seu filho João Gutemberg, fizeram a revitalização de todo seu acervo e criaram o Memorial João Mariano, no Copacabana Shopping com a participação da filha Plácida, do seu genro Assem Cameli, envolvendo também muitas lideranças da sociedade. O professor Nilo Castro coordena as atividades pedagógicas do Memorial.

Inauguração do Memorial João Mariano em 02 de abril de 2022, no período da pandemia

 

 

Irmão Marista João Gutemberg, principal articulador da revitalização do acervo

Assim, ao longo do tempo,  a memória de Cruzeiro do Sul está preservada sob muitos de seus aspectos pelo registro jornalístico feito por João Mariano. Ele iniciou escrevendo artigos para o Jornal O Rebate, fundado por Antônio Magalhães em 1921, assumiu o jornal em 1946 com uma equipe e depois, como proprietário e diretor, seguiu editando e imprimindo tipograficamente até 1971. Em 31 de janeiro de 1953 iniciou a editar o jornal O Juruá que teve sua última edição em 28 de abril de 1971.

Muito se tem sido dito e falado sobre essa “extraordinária figura” como definiu o saudoso desembargador Jorge Araken Faria de Lima, magistrado aposentado que o conheceu quando chegou para ser o Juiz de Direito da Comarca e se orgulhava de ter sido um dos grandes amigos de João Mariano.

Sobre João Mariano o comandante do 7º BEC, Job Lorena Santana, escreveu, que o conheceu na época, 1970: “Um jornalista puro”. O jornalista Flaviano Schneider: “um homem a frente do seu tempo, autodidata,  sábio, humilde e humanitário”. “Extraordinária figura”, descreveu o saudoso desembargador Jorge Araken. “Um homem apaixonado pela vida, pela cultura, pela Amazônia, pela humanidade…pelas coisas de Deus”, definiu o neto João Gutemberg.

Transcrevemos para conhecimento dos que ainda não conhecem a entrevista publicada na Edição comemorativa dos 106 anos de João Mariano, “O Escriba do Juruá”, publicada pelo Departamento de Patrimônio Histórico do Acre, através da Fundação Elias Mansour que na época tinha como chefe o historiador Marcos Vinícius Neves.

Veja a entrevista:

Como o senhor definiria João Mariano?

Eu diria que ele era, antes de tudo, um homem de bem…Fantasticamente ético, todas as atitudes do professor João Mariano eram éticas, convivi com ele quase quatro anos diariamente. Era incapaz de ter uma posição que não fosse ética, você podia discordar, mas eram sempre posições éticas, então o primeiro aspecto era esse. Tinha um carinho enorme pelo passado de Cruzeiro do Sul. Foi uma das pessoas que mais falaram, escreveram o que é hoje o nome de uma cidade, Mâncio Lima. O João Mariano, quando cheguei em Cruzeiro do Sul pela primeira vez nunca tinha ouvido falar de Thaumaturgo de Azevedo. De tanto ouvir o professor João Mariano falar, hoje sou um profundo admirador e Thaumaturgo de Azevedo.

Ele conhecia bem aquela região…

Sim. Chegou em 1943. Nas indicações que tenho, bibliográficas, a família, por exemplo, ao falar do álbum de Cruzeiro do Sul, que é um álbum comemorativo, feito pela universidade com a prefeitura, está dito que João Mariano era, ou foi, no capítulo dedicado a imprensa, e aqui está dito que João Mariano, casado com a professora Adalgisa Coelho da Silva, seringueiro, comerciante, poeta, escritor e o principal pioneiro do jornalismo, e mais, exerceu ainda em caráter particular, a função de advogado. Agora, eu não conheci o João Mariano seringueiro, não o conheci também comerciante, nem poeta. Eu tenho algumas publicações poesias dele, mas nunca falamos em poesia. Agora jornalista, sim, e também como defensor extraordinário, dos melhores que eu conheci, embora leigo. João Mariano funcionava gratuitamente, nunca cobrava o que quer que fosse, de quem fosse. Estava sempre pronto. Daí a ligação, poque ele era um excelente orador, falava pausadamente, o que entusiasmava, porque sou neto, soiu filho de filólogo e tenho um carinho enorme pela língua e me entusiasmava o cuidado que o professor João Mariano, um homem que dizia de primeiras letras. Quando em Cruzeiro do Sul não havia um professor formado, e ele tinha sido professor no curso primário muitos anos antes, e já era aposentado e era, apenas naquela época, jornalista, diretor de jornal, editor, distribuidor. Ele saia de porta em porta distribuindo. As vezes ele ia na minha casa. “seu Jorge, vim trazer O rebate”. Era uma alegria. Quando o Mariano levava O rebate ou O Juruá era um encanto, porque era notícia. Na época não havia internet, não havia televisão. As notícias que ele captava através de jornais que recebia, reproduzia-as, sempre com muita ética.

O senhor falou que ele fazia a distribuição dos jornais. Ele os vendia?

Não. Ele distribuía gratuitamente, não vendia a ninguém. Mariano vivia da sua aposentadoria e de contribuições de comerciantes para o jornal, que anunciavam e nada mais. Era um homem puro. Olha, a homenagem que vocês estão prestando a João Mariano já devia ter sido prestada há muito tempo. Mariano, eu não canso de citá-lo. Qualquer conferência que faço, sempre no final há uma homenagem a saudosa memória do professor João Mariano. Homem puro. Advogado. Citaria na passagem. Ele leigo. Ali em Cruzeiro do Sul, havia um acreano, promotor de justiça, um dos grandes promotores de justiça e discutia com ele no júri e ficava nervoso. Era o doutor João Ramos Torres de Melo, que dava soco na mesa. Um dia, foi caindo da mesa e o professor João, com aquela calma, aquela voz pausada, conseguia 99,9% das discussões. Dizia sempre: “Estamos aqui ajudando um homem que praticou um ilícito, mas antes de tudo um homem, com seus defeitos e com suas qualidades. E dava sempre o seu depoimento. “Eu conheço esse menino, carreguei-o ao colo”. Era um grande orador, extraordinário orador. Agora, não aceitava um tostão de quem quer que fosse, e ia espontaneamente, poque não havia um advogado em Cruzeiro do Sul naquela época, como não havia em Tarauacá, nem em Feijó. Advogado, só em Rio Branco. Em Cruzeiro do Sul eu conheci Mariano no dia 19 de junho de 1963, exatamente o dia em que aportei em Cruzeiro do Sul, e fomos amigos a partir daquele dia. Conversamos muito, no dia de minha chegada, até a minha partida em 22 de dezembro de 1966. Promovido a Comarca da capital, viajei, e lá estava o professor João Mariano, que morreu em 1972. Era uma figura extraordinária. Conversávamos horas a fio.

Quando o senhor chegou lá, ele já estava advogando?

Não usaria o termo advogando. Nós é que fazíamos um apelo, que já funcionava há muito tempo pelos processos anteriores, eu via defesas prévias feitas por ele. Era um dos colaboradores. Não só ele. Talvez ele fosse o maior colaborador, mas como não havia advogados, algumas pessoas funcionavam gratuitamente. E também, além do professor João Mariano, um que faleceu agora, aos 100 anos de idade, de tradicional família, o Joazito, como era conhecido. Joãzito dos Correios e Telégrafos, que funcionava gratuitamente. /todos funcionavam porque entendiam que a justiça precisava funcionar. João Mariano não era advogado. Nem estagiário, nem provisional. Em 63, ano em que cheguei a comarca de Cruzeiro do Sul, então sede da 4ª edição Judiciária do Estado do Acre, entrou em vigor a Lei 4.215 de 27 de Abril que dispunha sobre o Estatuto da OABV. Advogado, Estagiário e provisional. Mariano não era nenhum das três coisas. Era um extraordinário tribuno.

O senhor teve oportunidade de vê-lo trabalhando no jornal?

Várias vezes…Ah! Artesanalmente ele compunha o jornal…

O senhor possui algum objeto ou documento que tenha pertencido a João Mariano?

Ele me presenteou um livro. Eu ganhei esse livro do professor João Mariano, que era intelectual, outro aspecto, intelectual. Esse livro é um clássico editado em 1945. “O seringal e o seringueiro”, de Arthur César Ferreira Reis, historiador que foi governador do Amazonas. Sabe, por que ele me deu? Conversávamos, certa tarde, e me contou que, menino, ainda, logo que chegou em Cruzeiro do Sul, com 13 anos, teria assistido a um leilão de mulheres. Meninos, eles mergulharam por baixo do navio, ficaram lá num cantinho sem que fossem visto. E me deu esse livro.