MANAUS (AM) – Um Projeto de Lei (PL), de autoria do deputado estadual Tony Medeiros (PSD), em tramitação na Assembleia Legislativa, ameaça o consumo do tucunaré em todo o Amazonas. Um dos mais famosos pratos da região, a iguaria é consumida por amazonense e turistas, justamente por ser um dos principais representantes da culinária amazônica.
Caso o texto seja aprovado sem alterações, as espécies Cichla vazzoleri (tucunaré), Cichla temensis (tucunaré-açu) e Cichla pinima (tucunaré pinima) só poderão ser pescadas para consumo próprio, em situações de subsistência, ou durante pescas esportivos, desde que o animal seja devolvido com vida ao rio.
“As proibições previstas nesta Lei não se aplicam nas seguintes hipóteses: I. Pesca na modalidade pesque e solte, ou pesca esportiva, incluindo-se torneios de pesca que utilizem sistema de aferição de peixes que possibilite a devolução dos exemplares vivos ao ambiente natural; II. Pesca destinada ao consumo humano, ou pesca de subsistência, vedado a comercialização do produto da pesca“
, diz o texto do PL.
Em relação à pesca das demais espécies, a proposta do deputado Tony Medeiros esclarece “fica permitida a cota de captura e transporte de até 5 quilos do total de peixes inteiros transportados, ou um único espécime com mais de 5 quilos, para cada pescador amador”, diz o enunciado do artigo 5°.
Para o deputado Dermilson Chagas (Podemos), presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Pesca, Aquicultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (Comapa), se o PL avançar e for sancionado, o dispositivo irá criminalizar pescadores, e causar danos ao setor. Além disso, ele acusou o projeto de beneficiar apenas empresários que exploram a pesca esportiva.
“Não há necessidade de penalizar todos os municípios com a proibição, até porque há algumas cidades que têm pouca ou quase nenhuma atividade pesqueira'”, afirmou.
Dermilson Chagas argumenta que o tucunaré, por seu sabor e abundância, é um dos principais peixes utilizados na culinária amazonense, e que, por isso, é indiscutível a sua enorme importância na cultura e na economia do Estado.
O presidente da Comapa disse, ainda, que solicitou que o deputado Tony Medeiros apresentasse um estudo técnico apontando que essas espécies estão em risco de extinção. “Pedi que ele apresentasse um estudo que venha do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) ou do Conselho do Meio Ambiente”, comentou o parlamentar.
Ao EM TEMPO, Tony Medeiros afirmou que o principal objetivo da proposta é o desenvolvimento da economia regional, por meio de fomento à pesca esportiva, e melhorar a vida da população do interior que encontra dificuldades para pescar durante as cheias.
“É bom destacar que a pesca esportiva tem um potencial enorme para injetar ainda mais dezenas de milhões na economia estadual e ajudar no desenvolvimento regional. Por outro lado, o direito da população tradicional de pescar está resguardado. Eles terão, ainda, a oportunidade de capturar as espécies com mais facilidade, especialmente durante as cheias do rio, quando há mais dificuldade para pescar em rios de águas escuras, que possuem menor quantidade de peixes do que os de água barrenta“
, afirmou Tony Medeiros
O parlamentar ainda destacou que a proposta não está fechada e se reunirá com todos os envolvidos no Projeto de Lei na próxima quarta-feira (15) em uma audiência pública na Assembleia Legislativa.
Pescadores e consumidores criticam PL
Segundo o pescador Raimundo João Barcelos, de 58 anos, o projeto de lei é um “absurdo”, e não ajuda a classe do setor pesqueiro, que ainda sente os efeitos do surto da síndrome de Haff, a doença da “urina preta”.
“Ao invés de buscarem soluções para melhorar a vida dos trabalhadores, só criam essas leis que nos prejudicam mais ainda. Eu já enfrento várias dificuldades para sobreviver neste ano, já não basta o prejuízo que tivemos com o [surto] da doença da urina preta, isso para não falar da pandemia [da covid-19] que paralisaram as nossas atividades por um mês”, afirma o pescador João, pescador há mais de 20 anos.
A dona de casa Neide Valente, de 58 anos, diz que a proposta não tem cabimento e mexe com uma tradição dos amazonenses. “Como alguém resolve propor uma medida dessas que retira um prato tão tradicional dos amazonenses, como o tucunaré? Nunca ouvi falar que o tucunaré está sob risco de extinção. Parece que está faltando trabalho para os deputados estaduais e espero que essa lei não avance”, reclamou.
Impacto na economia
De acordo com Lucas Pontes, membro da Associação Comercial do Amazonas, os efeitos na economia, caso a proposta avance, deverá pesar no setor do mercado pesqueiro.
“Precisamos aguardar como e se essa proposta vai ser aprovada. O tucunaré é um peixe muito popular e, por isso, a suspensão de sua venda trará consequências na economia, especialmente sob o ponto de vista turístico, porque é uma iguaria muito famosa e requisitada por muitos turistas que vem à região”, afirmou.