Resultados de pesquisa desenvolvida na Terra Indígena (TI) Poyanawa mostram que é possível proteger a floresta e garantir renda por meio da relação harmoniosa que esse povo mantém com a natureza. O estudo “Desmatamento Evitado na Terra Indígena Poyanawa, Mâncio Lima, AC, Brasil”, realizado pela Embrapa do Acre (Rio Branco) e Pará (Belém) e outras instituições, confirma o potencial do território Puyanawa para gerar créditos de carbono e indica caminhos para o alinhamento de estratégias com foco no aproveitamento das emissões evitadas.
A Terra Indígena Puyanawa possui uma área de 24.499 hectares e apenas 5,8% desse território foi alterado. Esse percentual corresponde a 1.422 hectares, utilizados com pequenas pastagens, roçados e construções para moradia entre outros usos. As análises da evolução do uso da terra nesse território, realizadas com base em dados de referência de biomassa florestal e na série histórica de desmatamento de 1988 a 2017, revelaram que a taxa média de desmatamento no período estudado foi de 21,3 hectares/ano. Entretanto, nos últimos cinco anos a média anual baixou para 12,8 hectares, evidenciando uma redução no uso de florestas primárias.
“O povo Puyanawa tem priorizado atividades agrícolas em áreas já alteradas e investido na recomposição de áreas degradadas e na implantação e fortalecimento de quintais agroflorestais. Essas práticas reforçam a cultura local, aumentam e diversificam a produção agroflorestal e conservam o meio ambiente. Ao mesmo tempo, também contribuem para o alcance de metas estaduais de redução de gases de efeito estufa, uma vez que garantem a manutenção da floresta”, explica o pesquisador Eufran Amaral, coordenador do estudo e chefe-geral da Embrapa Acre.
Para o líder indígena Luiz Puyanawa, é gratificante saber que com a adoção de formas sustentáveis de uso da terra o seu povo contribui para reduzir as emissões de carbono. “Por meio de práticas agrícolas herdadas de nossos ancestrais mantemos uma convivência harmoniosa com a floresta. Com isso, os Puyanawa fazem a sua própria agricultura e sua medicina nas aldeias, reforça seus valores e preserva a vida. Deixar de emitir carbono na atmosfera tem serventia para o mundo porque todo o planeta se beneficia”, ressalta.
Remuneração pelo desmatamento evitado
O estudo faz parte do projeto “Etnoconhecimento, agrobiodiversidade e serviços ecossistêmicos entre os Puyanawa”, executado com o apoio da Fundação Nacional do Índio (Funai) e integrante do Portfólio Amazônia, iniciativa que reúne 75 projeto de pesquisa e inovação da Embrapa, desenvolvidos em parceria com uma rede de instituições públicas e privadas, com foco em novos modelos de desenvolvimento para a Amazônia. O desmatamento evitado na Terra Indígena Puyanawa foi estimado para um horizonte até 2025.
Os resultados da pesquisa mostraram que a média de emissões evitadas é de 6.381 toneladas de gás carbônico (CO2) por ano. Com base em parâmetros de negociação do mercado mundial de créditos de carbono, cada tonelada de CO2 evitada pode valer até 6 dólares ou, dependendo do investidor, alcançar valores mais elevados. Convertido à taxa de 5,17 reais o dólar, esse cálculo equivale a um ganho anual de 38.286 dólares, correspondente a 197.938 reais. A partir desses valores, a estimativa da remuneração pelo desmatamento evitado na Terra Indígena, realizada para um período de 20 anos (2006 a 2025), é de 3,9 milhões de reais.
Segundo Amaral, os resultados da pesquisa podem subsidiar estratégias eficientes para o aproveitamento do carbono social da terra indígena e geração de benefícios econômicos para o povo Puyanawa. Com o devido apoio institucional às comunidades indígenas e alinhamento ao Sistema Estadual de Incentivo a Serviços Ambientais do Acre (Sisa), poderão embasar a elaboração de projetos para Redução de Emissões Provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD).
“A compensação ambiental por créditos de carbono representa uma estratégia para criar condições para a manutenção de povos indígenas em seus territórios, para o fortalecimento do modo de vida e para a conservação ambiental no contexto das comunidades. Além de fortalecer a autonomia dessas populações, iniciativas com esse enfoque contribuem com a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI)”, afirma.
Mercado brasileiro de compra e venda de carbono
Considerando que no mercado internacional iniciativas com carbono sociocultural têm sido cada vez mais valorizadas, o desmatamento evitado pode ser um negócio rentável para as famílias indígenas. Além disso, a possibilidade de regulamentação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) e regulação da compra e venda de créditos de carbono no País, foco do Projeto de Lei 528/21 que tramita na Câmara Federal, aumenta as chances de remunerar as emissões de carbono evitadas no País.
Para o coordenador de políticas ambientais da Funai, Weber Braz Silva, os resultados da pesquisa podem contribuir com a busca por alternativas que aliem preservação ambiental e geração de renda nas aldeias. Estudos com este viés vão ao encontro de outras ações, já em desenvolvimento pela instituição, com foco na promoção da autonomia e autossuficiência das comunidades indígenas.
“O mercado voluntário de carbono tem potencial para implementação em áreas Indígenas, mas as iniciativas com essa finalidade devem acontecer articuladas a políticas ambientais em níveis estadual e federal. Estamos em tratativas para formalizar cooperação internacional visando à elaboração de estudos que avaliem a viabilidade desse mercado em terras indígenas do País”, destaca o gestor.
Metodologia para diferentes territórios
Para apurar o desmatamento evitado, quantificar o volume de carbono no solo e transformar em créditos as emissões evitadas na Terra Indígena Puyanawa, os pesquisadores utilizaram uma metodologia baseada em inventários florestais disponíveis na base de dados do Zoneamento Ecológico Econômico do Estado do Acre. Os cálculos foram realizados a partir de equações que estimam a biomassa de cada árvore e a sua composição na tipologia florestal, considerando as taxas de desmatamento e a recuperação das áreas de floresta, no período estudado.
Lucieta Guerreiro Martorano, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental e co-autora no estudo, explica que a partir do resultado da disponibilidade florestal, foi possível avaliar os níveis de desmatamento evitado, mensurar a evolução do desmatamento e realizar projeções. Os ganhos e perdas de biomassa florestal descrevem padrões de comportamento e, dessa forma, o método permitiu modelar e estabelecer distintos cenários de desmatamento evitado.
“Na série histórica avaliada, 2008 foi o ano com o maior índice de conversão da floresta, com 43,7 hectares. Já nos três anos seguintes, a recuperação de áreas florestais gerou emissões positivas (evitadas). Para cada hectare de floresta em desenvolvimento foram armazenados em torno de 448 toneladas de CO2, mais que o dobro da média apontada pela literatura, que é em torno de 200 toneladas por hectare”, destaca a cientista.
De acordo com Amaral, por utilizarem metodologias que podem ser adaptadas para diferentes territórios, os estudos sobre desmatamento evitado são uma grande contribuição para a Gestão Territorial em Terras Indígenas da Amazônia. “No Acre, o trabalho ocorre integrado com o Sisa, mas cada estado pode utilizar o seu próprio sistema. Essa flexibilidade nas estratégias adotadas também poderá criar oportunidades para integrar os Planos de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas com as ações de governos estaduais”, diz o pesquisador.
Pioneirismo em crédito de carbono
Na opinião do professor da Universidade Federal do Acre (UFAC), William Flores, atual Diretor Executivo do Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais do Acre (IMC), instituições parceiras na pesquisa, os resultados apresentados confirmam a importância das terras indígenas no contexto das mudanças climáticas e a necessidade de manutenção dos serviços ambientais fornecidos pelas florestas à humanidade. “Os territórios indígenas armazenam uma grande quantidade de carbono e, em algumas comunidades, as atividades produtivas e culturais contribuem para a captação de carbono na atmosfera e incorporação na vegetação”, enfatiza.
O Acre é pioneiro na comercialização de créditos de carbono, por meio da sua política pública instituída em 2010. Segundo Flores, o Sistema de Incentivo a Serviços Ambientais do Estado já beneficia diferentes públicos, mas, com a regulamentação do mercado brasileiro de carbono, bem como a implementação do Programa Floresta+, poderão surgir alternativas para viabilizar iniciativas concretas com créditos de carbono para remuneração de populações indígenas e outras comunidades tradicionais. “Já dispomos de uma política de incentivo a serviços ambientais, mas a criação de mecanismos jurídicos em âmbito nacional pode ajudar a gerar resultados mais efetivos na sua aplicação”, enfatiza o gestor.
Nova pesquisa
A partir de modelos oficiais validados por mecanismos internacionais e dos contextos estudados, as pesquisas da Embrapa sobre o desmatamento evitado em terras indígenas do Acre podem abrir possibilidades para a construção de novos formatos metodológicos. Em 2020, durante o primeiro estudo com esse enfoque, realizado na Terra Indígena Kaxinawá Nova Olinda, em Feijó, para estimar o volume de biomassa presente no solo os pesquisadores utilizaram imagens produzidas pelo Lidar (Light Detection and Ranging), sistema que funciona com equipamento a laser aerotransportado.
“Inovamos ao incorporar ao método de estudo uma tecnologia que permite maior precisão nos dados topográficos e na caracterização da vegetação, entretanto, é importante avaliar os custos do uso de tecnologias na pesquisa. Cada contexto investigado tem suas particularidades e cabe à ciência encontrar alternativas para vencer possíveis desafios. Vamos continuar trabalhando para gerar conhecimentos sobre o desmatamento evitado e a nossa próxima pesquisa será na Terra Indígena Gregório (Tarauacá/AC), território que abriga os povos Yawanawá e Katukina”, finaliza Amaral.