Cruzeiro do Sul, Acre, 23 de dezembro de 2024 06:35

SAÚDE Governo do Estado homenageia história das parteiras do Juruá

A arte e o rosto da dona Zizi resgata a memória afetiva dos juruaenses Foto: Onofre Brito

No muro dianteiro do hospital, a figura da mulher confortando um bebê de colo é de Giosete Mariano, a dona Zizi, já falecida, uma das parteiras mais antigas da região. Numa parceria com o governo do Estado, o grafiteiro Matias Souza, estampou-a logo na entrada, o que faz com que as pessoas que trafegam por ali reconheçam o rosto daquela que trouxe milhares de juruaenses ao mundo, mesmo porque a unidade atende a população dos sete municípios do entorno.

“Quando colocamos o rosto, as pessoas que ela ajudou a nascer a reconhecem como ‘a senhora que fez o parto da minha mãe’, e essa identificação é muito bacana pra gente”, destaca Matias.

Resgate de memórias

Dona Terezinha Soares tem 68 anos, começou a trabalhar na unidade em 1971, que na época era o Hospital do Juruá. Amiga de dona Zizi, ela conta que a parteira era uma profissional dedicada: “Ela não deixava as mulheres que iam ter bebê sofrerem. Tratava todo mundo com carinho e era uma pessoa linda”, recorda.

Ainda, de acordo com o relato da dona Terezinha, naquele tempo a luz elétrica da cidade era encerrada à meia-noite: “Nós trabalhávamos com a luz das velas”, relatou.

“Tratava todo mundo com carinho e era uma pessoa linda”, relembra a amiga de dona Zizi Foto: Cedida

Essas personagens, em sua maioria, já saíram do plano terreno, mas as trajetórias ficaram. Os bebês, que agora já são mulheres e homens adultos, contam algumas histórias. Um deles é  Jhonatan Lima, nascido em 1992 e que “foi pego” – expressão popular utilizada nas regiões Norte e Nordeste para designar esse momento – por Carmélia Santiago.

“Minha mãe achava que estava com cinco meses de gravidez, mas aí começou a sentir dores e teve que ir correndo para a parteira que, no caso, era a nossa vizinha, a dona Carmélia”, relatou Jhonatan.

A maioria dos antigos moradores de Cruzeiro do Sul vieram dos seringais, localidades onde era realizada a extração da borracha. Lá, por ser possível chegar apenas de barco, ainda hoje faz com que a viagem dure dias e até semanas. Assim, a assistência médica era mais difícil, quase inexistente à época. As parteiras, então, foram “nascendo” aos poucos, moldadas pela realidade, sendo um fazer passado de geração a geração.

Com a expansão da ciência e tecnologia, as parteiras foram deixando de ser procuradas, e hoje são pouco comuns até em lugares interioranos. Entretanto, fazem parte da história e, agora, sua memória é resgatada pela arte.

Parceria histórica

O grafiteiro Matias Souza nasceu no Acre, mudou-se muito pequeno para Brasília e foi lá o seu primeiro contato com o grafite

A parceria entre a arte de Matias e o governo do Acre não pára por aí. Também os profissionais do hospital de campanha, da unidade de pronto atendimento e do Hospital Regional do Juruá ganharam a grafitagem do artista. A iniciativa leva vida aos lugares e às pessoas que ali circulam cotidianamente.

Para Matias, é importante que a população conheça alguns dos rostos que salvam vidas, por isso a homenagem: “A gente teve essa ideia junto com o governo, ainda mais neste momento que estamos vivendo, pois as pessoas não sabem quem está por trás das máscaras. Muitas vezes eles dão a própria vida e abdicam do seu tempo com a família para servir ao próximo”, observa.

E é assim, por meio da arte do grafite, que a história se desenha. A geração de agora resgata a memória afetiva das parteiras, e as gerações futuras saberão sobre a “época do coronavírus” não apenas pelos livros e registros digitais. “Eu só tenho a agradecer a oportunidade ao governador Gladson Cameli, que acreditou no nosso trabalho, que acreditou no grafite como forma de interação e intervenção social, e principalmente de informação, pois a arte aproxima o público da questão histórica”, enfatizou Matias.

Quem fez a arte?

O grafiteiro Matias Souza nasceu no Acre, mudou-se muito pequeno para Brasília e foi lá o seu primeiro contato com o grafite: “Os meus amigos pintavam na rua e sempre sobrava um pouco de spray nas latas; eu pegava aquele pouquinho e ia pintar nos muros”, conta.

Autodidata e curioso, ele aprendeu sozinho e precisou de apenas um curso básico de desenho para ganhar técnica. Assim, aos 12 anos, Matias começou a sua carreira e já se vão 20 anos colorindo ambientes. Atualmente mora em Rio Branco.