Apesar do cenário dramático, falta de entendimento entre entes federativos dificulta ações concretas em resposta ao desastre climático
O Brasil enfrenta a pior seca dos últimos 75 anos, que fez disparar o número de focos de incêndio país afora. E, apesar do cenário dramático, a falta de entendimento entre entes federativos dificulta a execução de ações concretas em resposta ao desastre climático.
Nesta semana, em meio a imagens dramáticas de fogo Brasil afora, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convocou reunião com os chefes dos Três Poderes para buscar solução. O estopim para o chamado foi um incêndio no Parque Nacional de Brasília, que deixou a sede da administração federal coberta de fumaça.
E antes mesmo de os efeitos do fogo chegarem à Esplanada dos Ministérios, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino já havia criticado a demora e mandado o governo agir para conter queimadas na Amazônia e no Pantanal. No início do mês, o magistrado determinou a convocação imediata de mais bombeiros da Força Nacional para atuarem no combate às chamas.
Em seguida, autorizou a abertura de créditos extraordinários, por parte do governo federal, sem prejuízo ao arcabouço fiscal. A medida abriu brecha para que o Planalto anunciasse crédito no valor de R$ 514 milhões para auxiliar estados e municípios nas ações emergenciais de combate ao fogo. O montante se juntou a R$ 137 milhões liberados em julho.
O aporte de R$ 514 milhões foi anunciado durante a reunião com os presidentes do STF, Luís Roberto Barroso, do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), na última terça-feira (17/9).
Ações travadas
O encontro, apesar do clima de cooperação entre poderes, não avançou em pautas prioritárias para o governo federal, a exemplo do aumento de pena para responsáveis por incêndios criminosos. A mudança tem sido defendida pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que, aliás, enfrenta forte resistência no Congresso para avançar com medidas de proteção aos biomas ameaçados pelas chamas.
Em discurso, Pacheco defendeu que já há instrumentos legais suficientes para punir infratores. “A legislação penal atual — e aí eu faço uma defesa do Congresso Nacional — já coloca à disposição dos órgãos de persecução criminal, do Ministério Público e do Poder Judiciário, as condições para as medidas de investigação, para prisão temporária, para prisão preventiva em razão desse fato”, ressaltou.
O endurecimento da pena se soma a outras medidas já anunciadas pelo governo federal e que dependem do Congresso para avançar, mas enfrentam resistência.
Em visita a Manaus, o presidente Lula anunciou a criação de uma Autoridade Climática para fazer frente às mudanças climáticas que provocam desastres no país. No entanto, o desenho da instituição ainda está sendo formulado – ainda que tenha sido uma promessa de campanha em 2018.
No início de 2023, o governo chegou a cogitar o envio de um projeto de lei sobre a criação do órgão, mas, à época, enfrentava dificuldades para emplacar propostas no Congresso. Diante da resistência, o projeto nem chegou a ser encaminhado.
Divergência com governadores
Após juntar os chefes dos Três Poderes à mesa, o Executivo se reuniu na última semana com governadores dos estados mais afetados para debater a crise. O encontro terminou em clima de insatisfação. Os entes da Federação concordaram que as queimadas são de responsabilidade compartilhada, mas patinam em fechar estratégia unificada no combate ao fogo.
Logo após o fim da reunião, o governador do estado de Goiás, Ronaldo Caiado (União-GO), não poupou críticas ao governo federal. O goiano ironizou a ausência do presidente Lula, que viajou ao Maranhão no dia, e falou em demora da União em propor ações mais robustas no combate às chamas.
“O governo federal não estava preparado para o que aconteceu. De repente, foi procrastinando e, agora, vai chegar no final… no mês de outubro, acredito eu, ou novembro, já vai estar chovendo”, disparou o governante goiano. Caiado avalia que o governo Lula agiu tarde no combate às queimadas por considerar que as ações chegam em um período próximo ao fim da estiagem.
Além da crítica de Caiado, o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (União-MT), também em coletiva, embora tenha elogiado as ações, indicou que os esforços empreendidos pelo governo devem ter “efeitos concretos” somente em 2025.
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, que comandou o encontro, saiu em defesa das iniciativas do governo. “Nós estamos há três meses fazendo reuniões com os estados. Alguns governadores não vieram para as reuniões anteriores […] Tem alguns [governadores] que não vieram nas outras, talvez por isso estejam estranhando e achando que é a primeira”, provocou o ministro de Lula.